domingo, 28 de fevereiro de 2010

Vivement dimanche


Azul Marinho, domingo 

"O amor é o haver-lugar" (Reni Adriano).

"Todo leitor é um ficcionista que reescreve o que lê. Ler é aceitar, a cada linha, o que dela não se vê. A linha se estende ao longe, presa a margens que nunca veremos. Cada palavra se sustenta em feridas que nos escapam para sempre" (José Castello).


A letra linda  de "É o que me interessa" (Lenine):

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Gangorra cultural da semana


Finalmente, li "Leite derramado", de Chico Buarque. Iniciei a leitura no final do ano passado e...bem, o que fui e voltei com ele da praia não foi brincadeira. Sem abri-lo novamente. Nunca um livro meu passeou tanto. No que acho que ele deve ter achado ótimo: melhor pegar um praião de sol e mares lindos do que ficar espremido entre outros tantos colegas abafados na minha estante. Pelo menos para mim, não foi um daqueles livros eletrizantes em que se lê de uma tacada só. Nesse ínterim, comecei - e concluí - a leitura de outros tantos. Enfim, não sei ao certo o que dizer sobre ele.

Assisti a "Nova York, eu te amo", na Sala Laura Alvim. Muito, muito legal. Final lindo. 








 
 
 
  E o sábado foi dedicado a exposições.

No CCBB:


“Roteiro amarrado”, reunindo trabalhos de arte eletrônica de Eder Santos.

"Parece verdade", com 50 imagens do fotógrafo Caio Reisewitz. Lindas.

"Dobros", da artista plástica Márcia Pestore. Chapas imensas de aço inoxidável refletem imagens distorcidas do espectador e do espaço.  


Na Casa França-Brasil:

Iole de Freitas - Instalação composta por placas de policarbonato retorcidas, sustentadas no alto por tubos de aço.






 
 
 
 
 
No Centro Cultural Correios:

"Carlos Scliar - Perfil e trajetória" - A exposição reúne 80 obras - entre pinturas, gravuras, serigrafias, desenhos e esculturas e objetos - para traçar um panorama dos mais de 60 anos de carreira do artista.

Voando para Santa Teresa, ainda tentei ver "Os amigos da gravura 2010 - Cildo Meireles", no Museu da Chácara do Céu. Mas os portões haviam acabado de fechar. Para não perder a viagem, a ideia foi almoçar no restaurante Aprazível. Debalde: mesa para 2, só esperando 25 minutos. No way.

Então, na descida, a pedida foi o velho e bom Bar Lagoa - bife à milanesa com salada de batatas. Ponto quente bonzão.

Ah, e trouxe para casa mais um livrinho: "Práticas preliminares do budismo vajrayana" (por Chagdud Khadro).

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Carta d´Itália


William, nosso amado,

Quando precisaste cessar nossa correspondência, falavas, exatamente, desses abalos sísmicos que investem sobre as almas indômitas que se lançam com desassombro nas espirais do mundo. E se esquecem que, de quando em quando, são necessárias acomodações até mesmo no centro da terra.

Não é outro teu labirinto, nosso adorado – nisso te consomes – que fazer? O privilegiado clube da entrega é caro, caríssimo. Bota caro nisso. E poucos podem ou estão dispostos a pagar seu preço acachapante. De seus frequentadores, tão intensamente se cobra que a maior parte os deixa, celeremente, partindo para agremiações muito mais em conta.

Como culpá-los? Afinal, convenhamos, caminhar na superfície d´água, em que é possível medir com clareza onde tocam nossos pés, é muito diferente do que mergulhar no mar profundo, em que tudo é imprecisão e incerteza.

Claro fique que sempre há tempo de reconsideramos os custos-benefícios de conviver nesse fechado círculo, e migrar para assembléias de paisagens bem mais amenas, confortáveis e seguras. E aí te acautela, te reguarda, te recolhe às conchas que – suponhas - te defendam do que há de vir.

Contudo, nosso irmão, se intencionas insistir como um fiel associado dessa obstinada corporação dos que se entregam, aceita sem fraquejar suas cláusulas, abraça com ardor seus fundamentos e segue teu caminho de desbravamento. A causa - e por ventura não a atestas? - é nobilíssima. Ah, e não esquece que teu trabalho, a exemplo de todos no grupo, é o de arregimentar mais e mais integrantes. De 1595 para cá, a debandada tem sido geral. Eles não sabem o que andaram perdendo...

De nossa parte, lembramos que não foi nada fácil a decisão de nos tornar sócios-fundadores desse exigente, mas adorável, clubinho. Aproveitamos para mandar foto para te emocionares, como de hábito, com nossa sede, em Verona.

PS: Em retribuição à música esplêndida que nos ofereceu, o presenteamos com “Devaneio”, de Jorge Vercillo.


Estamos ou não atualizados?

Com afeto,

Julieta e Romeu.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Carta da libertação (para Julieta e Romeu)



Minha querida, meu querido,

Estudo minuciosamente os cabos da minha memória numa busca dramática para voltar a conectá-los à configuração-padrão em que se encontravam antes. Antes de alguém atravessar a minha vida como um avião numa cumulus nimbus.

Por mais que as aulas na universidade hoje fluam em modus piloto automático, elas, por sorte, ainda constituem a base de sustentação mínima e necessária a que não sobrevenha um desparafusamento completo dos pinos de uma estrutura que, diga-se de passagem, nunca foi lá essas coisas: minha cachola, como bem sabeis.

Pelo menos, enquanto discorro sobre Adam Smith, Keynes e cia. para uma massa sem rostos de futuros doutores, minha zona mental arraiga-se a essa transmissão burocrática e encadeada de teorias, como forma de proteger-se das faixas avassaladoras que teimam em nela ingressar – e durar.

O problema é que aqui, já dentro do carro, dirigindo em silêncio na volta para casa, o compressor centrífugo reaviva-se com disposição intensificada, como a querer compensar o longo horário comercial em que precisou manter-se represado. E, aí, minha cara, meu caro, sai de baixo, porque não há doutrina econômica nesse mundo capaz de conter a irracional explosão que deflagra a reabertura dessas comportas.

Saudade do tempo em que orientar uma tese acadêmica era só orientar uma tese acadêmica. E não essa prensagem absurda das funções cognitivas na tentativa patética de extrair um grau de concentração que, francamente, não há. À maneira de se espremer azeitonas para engarrafar óleo virgem, mal comparando. Saudade de uma vida normal, vamos dizer assim.

O que é vida normal? Ora, vida normal é quando a pessoa acorda...ou melhor, recomeçando, a pessoa dorme – toda noite e a noite inteira -, acorda, toma café, sai para trabalhar, trabalha, volta para casa, janta, namora, ou janta fora, ou vai ao cinema, ou sei lá o que. E nos finais de semana toca para a praia, para a locadora de vídeos, para o Maracanã, viaja, dá pipoca a macaco, enfim, qualquer coisa em que se acha graça quando nos alinhamos às condições regulares de temperatura e pressão.

Até onde eu saiba, minha amiga, meu amigo, vida normal é mais ou menos isso, com um ou outro toque de acontecimento extraordinário, o que faz parte. Mas não esse torvelinho em que não se cabe direito dentro do próprio corpo, e a alma parece ejetar-se desencontradamente em movimentos involuntários para além das regiões limítrofes ao ponderável. Afinal, nada mais justo que ela, alma, lute a todo custo para romper o confinamento abusivo a que se vê, a sua revelia e a contragosto, submetida.

E, assim, minha garota, meu rapaz, vamos tateando as camadas fronteiriças da escuridão, sendo noite ou dia, que, camuflados, mal se distinguem nas sombras das paredes. A pessoa começa a variar, falar sozinha (há barulho de porta de elevador se abrindo e não sei se é você – e não, não é). E, mais grave, dá para sofrer alucinações (pois te vejo entrando no mar, sorrindo nos restaurantes, lendo na poltrona, saindo do banho, teu corpo lindo e em abandono na cama).

Prezada, prezado, mas de que mesmo falava esse professor versado em amor ausente? Amor profundo e - com que onipresença! – ausente... O fato é que agora, já em casa, sinto, mas precisamos interromper a comunicação. Alguém me chama no quarto. Ah, sim, já ia me esquecendo: como se não bastasse, nesse estado de saturação dos sentidos, também se ouvem vozes.

Com doçura,

William.

PS: Estou de tênis novos, comprados no Stratford-on-Avon-Shopping Center.

E deixo-vos essa preciosidade:

"Everytime we say goodbye" (Cole Porter), com Simply Red.


 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Ele, ele


No livro sobre as histórias das canções de Chico Buarque (Wagner Homem), há um artigo lindo de Carlos Drummond de Andrade em torno de "A Banda", que acabara de vencer o Festival da Canção de 66. Segue um trecho:

"O jeito, no momento, é ver a banda passar, cantando coisas de amor. Pois de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo e presenciando...(...)...Coisas de amor são finezas que se oferecem a qualquer um que saiba cultivá-las, distribuí-las, começando por querer que elas floresçam".

Tocante também é como o próprio Chico Buarque fala a respeito da criação de "Futuros amantes". Diz ele: "Eu estava mexendo no violão, comecei a fazer a melodia, e a primeira coisa que apareceu foi exatamente cidade submersa, isolada de tudo...Porque cantarolando parecia cidade submersa, parecia que a música queria dizer isso. Aí eu coloquei esses escafandristas e esse amor adiado, esse amor que fica pra sempre. Essa ideia do amor que existe como algo que pode ser aproveitado mais tarde, que não se desperdiça. Passa-se o tempo, passam-se os milênios, e aquele amor vai ficar até debaixo d´água".

E, para não fugir ao poeta, a arrepiante "Você, você" (em parceria com Guinga) - que, incrivelmente, só vim a ouvir pela primeira vez hoje -, com Guinga e Marcê Porena, em

Me sopre novamente as canções
Com que você me engana
Que blusa você, com o seu cheiro
Deixou na minha cama?
Você, quando não dorme
Quem é que você chama?

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Salve o Salgueiro!




Que maravilha ligar a TV às 2 da manhã para ver o desfile do Salgueiro e constatar que o enredo era sobre...livros!!!

Mesmo se eu já não torcesse pela escola, daria o bi para ela com louvor.

Em tempos de escapismos rudes às filigranas do espírito, temos o pensamento de Sêneca: "Foges em companhia de ti próprio: é de alma que precisas de mudar, não de clima."

E a linda "A bela e a fera", de Chico Buarque e Edu Lobo, na voz de ambos.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Travessuras na Travessa


Sábado foi dia de flanar na Travessa de Ipanema. Saldo do passeio: os livros "Diários de bicicleta" (David Byrne) e "Chico Buarque-Histórias de canções" (Wagner Homem); o DVD "This is it" (Michael Jackson); e os CDs "Nocturnes-Chopin, com a painista Idil Biret, e "Partimpim 2" (Adriana Calcanhotto).








"Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas" (Mário Quintana).




Ou isto ou aquilo
                                                                                  (Cecília Meireles)

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

 Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

 Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.


Em seguida, petiscos no Leblon.





Em tempos de samba, vou de "Perdoa", linda (e pouco conhecida) canção de Roberto e Erasmo Carlos:

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Olê-lê


A fome do primeiro grito (LXII)
                                                                                                                           (Hilda Hilst)

Que as barcaças do tempo me devolvam
A primitiva urna de palavras
Que me devolvam a ti e o teu rosto
Como desde sempre o conheci: pungente

Mas cintilando de vida, renovado
Como se o sol e o rosto caminhassem
Porque vinha de um a luz do outro

Que me devolvam a noite, o espaço
De me sentir tão vasta e pertencida
Como se as águas e madeiras de todas as barcaças
Se fizessem matéria rediviva, adolescência e mito

Que eu te devolva a fome do meu primeiro grito


Em ritmo alucinante de carnaval, vamos com "The captain of her heart" (Double):


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

De Letras & Expressões


Como são as coisas...No início da noite de sábado, depois de assistir a "Notícias de uma guerra particular" (de João Moreira Salles e Katia Lund), lá ia eu começando a escrever sobre a situação da livraria Letras&Expressões.

Mas, ao me dar conta de que ainda não havia almoçado, resolvi interromper o projeto e fazer um picadinho. Após o jantar, já devidamente instalada na Patagônia caseira, fiquei passeando pelos canais a cabo e, de repente, pá: estava passando "O leitor". Eu havia visto esse filme no cinema no início do ano passado e ficado bastante impressionada com ele. Agora, na tv, pena que o tenha encontrado pelo meio, porque a cena da personagem de Kate Winslet envolvendo o personagem de David Kross com uma toalha no banheiro de sua casa, logo no início, é uma das mais bonitas que já vi na tela.

Enfim...o fato é que peguei o filme no momento em que ela, Hanna, no julgamento final, prefere se declarar culpada por ter assinado um documento que a incriminaria do que assumir que...não sabia ler. Sem entrar no mérito técnico-artístico-político - até porque a essência da história é mesmo outra -, a força e a delicadeza da narrativa de construção de um relacionamento em que uma pessoa ajuda a outra a ingressar no fantástico mundo da literatura não podem deixar de ser, para quem ama os livros, tocantes ao extremo.

E eu que pretendia, justamente, falar do que está acontecendo com as lojas da Letras&Expressões (Leblon e Ipanema). Há algum tempo, tendo percebido nas duas livrarias uma certa decadência, passei a concentrar minhas incursões literárias nas Travessa´s (também Leblon e Ipanema).

No final de janeiro, contudo, indo ao aniversário de uma amiga, fui antes na L&E aqui perto de ondo moro no intuito de comprar um livro de presente. E fiquei chocada. Simplesmente, não há lançamentos ou publicações tradicionais de catálogo. Olhei, olhei, e não consegui achar um único livro bacana. Tudo meio jogado, como um fim de festa. Para se ter uma ideia, só havia 1 (um) funcionário para atender toda a loja! Sabe o que comprei (só pra não chegar de mão abanando)? Um calendário com motivos gastronômicos...

Isso sem falar no fechamento recente da livraria Renovar, também em Ipanema, e da Saraiva (no Leblon), já há algum tempo.

Triste. Muito triste. Nada entendo desse mercado editorial. Portanto, me escapa à compreensão o porquê dessa situação lastimável. Inocententemente - e pollyannamente -, gostaria de acreditar num boom de vendas pela internet, que dispensaria o espaço físico das lojinhas. Mas, claro, não se trata disso. Até porque a rede Travessa segue com sucesso por aí, tendo, inclusive, aberto recentemente uma super filial na Sete de Setembro, no Centro.

Se é problema de gestão, de relacionamento entre sócios...não sei.

Um belo dia, perdemos o JB, como o grande jornal de ponta que era. Um belo dia, acordamos sem a Varig (pra não dizer que só trato das minhas sardinhas...).

Enfim...só me ocorre dizer: Viva "El Ateneo", de Buenos Aires, de nossa vizinha Argentina, que tantos problemas está vivenciando. Inclusive o de cerco à liberdade de expressão. Abramos os olhinhos, doutores.

Deixa eu ir, que minhas batatas estão literalmente assando, com alecrim, no forno. E ainda preciso grelhar os filés. Eu, hein, pensando bem, onde vão dar tantas secundárias divagações?
 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Esquindô-lelé


A-M-O carnaval e estou contando as horas para ele chegar. É um período em que tenho luxuosos dias livres para brincar intensamente nos dias de folia.

Brincar de ler, escrever, ir à praia, caminhar, assistir a DVDs musicais, cozinhar...e, claro, descobrir lugares legais na área gastronômica. Como esse aqui, recém-inaugurado:




 

Ou çege: everything, but carnaval !

Nunca entendi a, como direi, filosofia da constituição momesca, a cláusula pétrea que dispõe que tudo é permitido - de homem se vestir de mulher a inundar as ruas de sujeira e barulho.

Não compreendo a liberdade que possa haver no liberar geral, em consentirem-se todos os excessos durante esses dias. É uma intrincada noção do que venha a significar ser livre, a qual, francamente, não alcanço. E no resto do ano, o sentimento é de auto-repressão, frustração, recalque - qual é?

Na mesma linha, intriga-me sobremaneira a alegria embutida em embrenhar-se em locais apinhados de gente suada, pulando ao som de decibéis insuportáveis. À simples aparição na TV de cenas de multidões felicíssimas em bandas, blocos e trios elétricos, tenho ímpetos de correr para uma ducha gelada e voltar correndo para o ar condicionado.

Mas, afinal, de que tanto entendo eu de felicidade?

Melhor me ater as minhas programações pianíssimas e ermitãs, e não entrar no mérito das diversões alheias.

Para muitos, grito de carnaval. Para pouquíssimos, silêncio...muito silêncio. Ziriguidum, ôi!

Por falar em silêncio, vamos de "Speak low", na voz de Billie Holiday, em versão remix, ilustrada por fotografias p&b da década de 40: