quarta-feira, 30 de março de 2011

Touche pas à Maria Bethânia!


Estarrecedor. É o mínimo que posso pensar a respeito de toda essa polêmica envolvendo Maria Bethânia. Por má fé ou, simplesmente, deplorável ignorância, ela está sendo exposta a uma sandice inacreditável.

Para resumir, Bethânia não recebeu R$ 1,3 milhão do Minc. Esse valor corresponderia ao total da realização de 365 vídeos para um blog - um por dia - em que ela recitaria poemas em língua portuguesa. E para ser captado em empresas, sob os dispositivos de incentivos fiscais previstos na Lei Rouanet. Ou seja, dentro da total legalidade jurídica.


Então, vamos lá:

1. Pelo que entendi, a ideia desse projeto (blog) partiu de Hermano Vianna, com quem Bethânia já vinha desenvolvendo o trabalho de dizer poemas em pequenos teatros (iniciativa que começou na Universidade Federal de Minas Gerais, se não me engano). 

2. Diante da proposta de ampliar esse trabalho de formiga a um blog, Bethânia deve ter dado seu preço - R$ 600 mil pelo ano, ou R$ 50 mil por mês, como vem sendo divulgado. Ela dá o valor que quiser, e qualquer montante que pretendesse estipular estaria sempre, sempre, a milhões de léguas do que lhe faria jus.

3. Alguém, em sã conciência, acha que Bethânia precisa de R$ 600 mil? Em caso positivo, não seria tão mais fácil, prático e rápido para ela fazer uma única propaganda de cerveja por ano?

4. Bethânia tem sido, desde sempre, uma intensa e maravilhosa difusora de poemas e textos escritos na última flor do Lácio (isto porque nem cabe entrar, aqui, na recuperação e valorização de nossos compositores esquecidos ou desconhecidos). Descobri (eu e zilhões) Clarice Lispector por causa dela - três anos antes de o meu colégio "mandar" ler "A paixão segundo GH", em 1976. Até os sinos da Sé de Braga sabem que Bethânia é a grande responsável pela propagação da obra de Fernando Pessoa no Brasil. Até Portugal reconheceu, oficialmente, isso. E alguém aí pode apontar quem leia poesia - tarefa absurdamente ingrata - como ela? Bethânia é capaz de transformar "batatinha quando nasce..." em matéria transcendente.

5. Se fosse apenas por esse "pequeno detalhe", já deveríamos agradecer a ela por todos os séculos, pelo tanto que, sozinha - sem o apoio de nenhuma política oficial na área de educação -, incentivou a leitura de autores tão magníficos. Isso, no Brasil, não é pouco e não é para qualquer um. Mas, Bethânia, é tão e tão mais: é um fenômeno torrencial, avassalador. Uma artista que construiu uma carreira deslumbrante e impecável, ao largo de concessões e de exposições públicas tolas.

6. Se a questão é discutir o conteúdo da Lei Rouanet (se funciona a contento ou não, frente aos interesses da sociedade brasileira, se precisa de ajustes ou se deve meramente ser extinta), que o façam a tempo e a hora: governo, empresas, produtores, artistas, sociedade civil, enfim, os agentes envolvidos. O que estão esperando? Mas quanta infelicidade pegar logo quem como exemplo de malversação dos dinheiros públicos. Que eu saiba, é a primeira vez que chega à imprensa, ao menos com tamanho estardalhaço, a discussão sobre a validade da simples aprovação de captação de recursos em empresas para um projeto dentro da Lei Rouanet. Por que nunca apontaram outros antes, se jorram aos montes e há anos? Este, ao longo do tempo, foi o único capaz de suscitar tal celeuma?

7. Ter um blog dessa natureza, com Maria Bethânia, encheria de orgulho qualquer país do mundo. Ainda que as verbas saíssem diretamente do invisível orçamento do Minc, e não de renúncia tributária. Ah, senhores, como são bem empregados nossos impostos em todas as áreas de competência governamental, não?

8. Que a mediocridade tenha vergonha de ousar tocar quem personaliza seu antagonismo.  

9. Para os, verdadeiramente, interessados em discutir a Lei Rouanet, as vias democráticas estão todas aí.

10. Maria Bethânia, tu és para mim a senhora do engenho. Do engenho da poesia, da música, da arte, da cultura. Do Brasil com que eu sonho. Intocável.


Mudando de ares, deixo links para as matérias que fiz para a edição que acaba de sair da revista Carioquice:

Príncipe D. Joãozinho de Orleans e Bragança

Livro "O Círculo Veloso Guerra e Darius Milhaud no Brasil", escrito por Manoel Corrêa do Lago, sobre o início do modernismo musical na terra de Santa Cruz.