terça-feira, 8 de setembro de 2009

Pablo et Chico Caruso, notre amour



Outro dia disparei email a alguns amigos com: `o que você perguntaria a Chico e Paulo Caruso?´. Céus, como é difícil elaborar uma pauta original para personalidades acostumadas a conceder entrevistas! Procuro fugir das perguntas óbvias como o presidente da República foge dos livros, por saber o quão enfadonho é para elas a repetição ad nauseam das mesmas respostas a questões preguiçosas. Nesse ambiente, ocorreu-me a ideia de sondar uns amiguinhos, no intuito de escapar dos ululantes `de onde vem a inspiração´ ou ´com esses políticos vocês têm medo de perder o emprego´? Mas, para meu desapontamento, os consultados ou não levaram a sério o pleito ou, o mais provável, viram na enquete um expediente escuso de trabalhar de forma não remunerada em meu lugar. Com isso, rolou água abaixo meu projeto socialdemocrata ´muitas cabeças pensam melhor que uma´.

Foi assim que, num sábado de sol pela manhã, saí a pé feliz da vida para entrevistar os gêmeos para a Carioquice, a bordo de meu próprio repertório de perguntas. Estava eu deveras temerosa pelo horário marcado: 10h30. Conquanto não goste nada de acordar tarde, mesmo em finais de semana, a parte da manhã constitui um período delicado ao bom desempenho de minhas funções cognitivas - se é que em algum outro momento do dia isso de fato ocorra a contento. A depender de mim, só executaria atividades físicas e mecânicas, como andar na praia, fazer supermercado ou dar uma organizada na linha de montagem da padaria. Por isso, nunca marco entrevistas nesse interregno. Que me lembre, a última vez que isso ocorreu antes das 14h foi com Américo Vespúcio. Por telefone ainda vá lá...são muitas a serem feitas...mas, pessoalmente...Até alertei Vera, serena editora da revista - com quem divido, ao lado de questões profissionais, seriíssimos interesses gastronômicos -, que havia agendado o colóquio: `ok, mas não respondo pela qualidade da entrevista a uma hora dessas e num sábado! ` O fato é que, na véspera, em clima de concentração total ISO 9000, fui para a cama cedo ver tv com uma xícara de café com leite, ovo quente, rolinhos de queijo com presunto e salada de frutas como arremate. O receio só aumentou com a preocupação de como eles próprios poderiam estar cansados, visto que tinham feito show (www.cabarecaruso.com.br) no bar do Tom até tarde na noite anterior.

Às 10h30 em ponto, eu tocava a campanhia do apartamento de Chico no Leblon. Os dois tomavam um breakslow. Chico me ofereceu café. Fui de água. "E o espetáculo ontem? - engatei, na tentativa de entabular uma tertúlia amistosa, enquanto, educadamente, esperaria eles terminarem a refeição. Pronto! Foi o que bastou. Os irmãos começaram a falar com tamanha empolgação que, surpresa, apressei-me: `opa, assim, já vou ligar o gravador!`. Chico riu para o digitalzinho sobre a mesa: `Isso aí é gravador, é?`. E os dois desandaram a falar, numa tagarelice tão explosiva e animada, que súbito, Paulo levantou-se da mesa e dirigiu-se ao piano para tocar a primeira de algumas músicas que os dois cantariam juntos ao longo da manhã. A canção fora composta por Paulo aos 17 anos e falava justamente da condição de gêmeos. Que coisa mais bonita. Ali, comecei a me apaixonar pela paixão entre esses dois homenzarrões. Quanta ternura antiga saindo daqueles vozeirões de trombone! Que alegria sincera nos olhinhos dos dois gigantes do desenho que mais pareciam meninos, cantando e rindo para mim e o fotógrafo Marcelo Carnaval, como a buscar cumplicidade para suas estripulias.

Quis trazer isso aqui, pois sei que os Caruso são figuras muito queridas entre nós todos, por razões de sobra. E, em especial nesse momento em que tantos homens que deveriam nos representar e servir de exemplo nos envergonham, dividir o privilégio de ter compartilhado por uma manhã a intimidade desses dois brasileiros que nos orgulham, ao dedicar suas vidas a passar em revista crítica a vida nacional pelo filtro sofisticado do humor. Se tivesse que resumir em uma palavra o encontro, não hesitaria: afeto. Afeto mil. E afetação zero.

Em determinado momento, brincamos com o fato de eles fazerem profissionalmente o que mais adoram e ainda serem remunerados por isso. A correlação com a minha própria situação ali foi inevitável. A princípio, o que seria um fardo para qualquer um ser escalado para trabalhar num sábado de sol pela manhã, estava sendo uma dádiva. Em outras palavras, era impossível me sentir `trabalhando`. Como se não bastasse, ainda ganhei de presente de Chico seu livro ´Pablo, mon amour`, em torno de um trabalho em formato de posters sobre Picasso que eu havia comprado em São Paulo há muitos anos. Achei graça na coincidência. E, mais uma vez, agradeci a profissão que escolhi. Voltei para casa mais feliz ainda.


12 comentários:

  1. Sinelli!
    Já era mais do que tempo!
    Que prazer irrevogável...
    Um beijo.
    Daniel.

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  2. É... Sucesso total a entrevista. Cá estou a te prestigiar, minha amiga. E aquela filmagem, quando editamos? bjs,

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  3. Diga-me uma coisa: como pode viver em paz quem encontra o riso, descortina afetos e fraternidades, emociona-se com homenzarrões e café às 10:30 de um sábado, em plena labuta a exigir sinapses!?
    beijo e muitos risos,
    Eliza

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  4. Assim que a agenda da maior cantora do Brasil permitir. Saudade, Grova!

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  5. Eliza, meu oráculo! Espero que tua mente brilhante esteja sempre iluminando esta padaria.
    Um beijo.

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  6. Parabéns pelo Blog, quérida! Adorei! Super elegante...
    Beijos

    Lara

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  7. E desde quando vc é anônima, Lalá??? Valeu a visita, volte sempre. Bj.

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  8. Só estava terminando um trabalho gráfico aqui pra poder entrar de novo, pela terceira vez hoje, e elogiar o blog. Tá muito legal! Sinceramente, eu que tenho mais afinidade com Internet, não saberia fazer melhor. Muito bom gosto mesmo! Adorei!! E a senhora, Doutora Mônica Sinelli, faça o favor de visitar meu sitio também, que eu vou adorar sua opinião.

    Beijos! Parabéns!!!!!!!!!!
    Paulo Ricardo

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  9. Oi Monica!
    Fiquei muito feliz que tem nova padaria no mercado, oba!!!...e que traz alimento pra alma. Imagino que tenha pão quentinho toda hora e não tenho dúvida de que o primeiro da fila todos os dias é um senhor...que foi doutor um dia (aliás, uma vez sendo nunca deixa de ser!). Eu me lembro que ele era um apaixonado pelo computador,
    não tinha visita à sua casa em que não quisesse sempre mostrar novos projetos e descobertas de menino...acho que ele fez do teclado do computador um instrumento tão belo quanto as suas antigas ferramentas de consertar joelhos, pernas e braços). Ele deixou uma herança para todos nós que é uma filha que adora brincar com as letrinhas e delas faz arte...que se não consertar braços, pelo menos faz abraços ... e que coloca pernas nos corações alheios para que possamos percorrer muitos caminhos longe da mesmice.
    Vontade danada ... de dar um beijo no padeiro!!!

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  10. Para lá de emocionantes suas palavras, Marcinha. Obrigada pelo carinho.
    Mil beijos.

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