Minha querida, meu querido,
Estudo minuciosamente os cabos da minha memória numa busca dramática para voltar a conectá-los à configuração-padrão em que se encontravam antes. Antes de alguém atravessar a minha vida como um avião numa cumulus nimbus.
Por mais que as aulas na universidade hoje fluam em modus piloto automático, elas, por sorte, ainda constituem a base de sustentação mínima e necessária a que não sobrevenha um desparafusamento completo dos pinos de uma estrutura que, diga-se de passagem, nunca foi lá essas coisas: minha cachola, como bem sabeis.
Pelo menos, enquanto discorro sobre Adam Smith, Keynes e cia. para uma massa sem rostos de futuros doutores, minha zona mental arraiga-se a essa transmissão burocrática e encadeada de teorias, como forma de proteger-se das faixas avassaladoras que teimam em nela ingressar – e durar.
Pelo menos, enquanto discorro sobre Adam Smith, Keynes e cia. para uma massa sem rostos de futuros doutores, minha zona mental arraiga-se a essa transmissão burocrática e encadeada de teorias, como forma de proteger-se das faixas avassaladoras que teimam em nela ingressar – e durar.
O problema é que aqui, já dentro do carro, dirigindo em silêncio na volta para casa, o compressor centrífugo reaviva-se com disposição intensificada, como a querer compensar o longo horário comercial em que precisou manter-se represado. E, aí, minha cara, meu caro, sai de baixo, porque não há doutrina econômica nesse mundo capaz de conter a irracional explosão que deflagra a reabertura dessas comportas.
Saudade do tempo em que orientar uma tese acadêmica era só orientar uma tese acadêmica. E não essa prensagem absurda das funções cognitivas na tentativa patética de extrair um grau de concentração que, francamente, não há. À maneira de se espremer azeitonas para engarrafar óleo virgem, mal comparando. Saudade de uma vida normal, vamos dizer assim.
O que é vida normal? Ora, vida normal é quando a pessoa acorda...ou melhor, recomeçando, a pessoa dorme – toda noite e a noite inteira -, acorda, toma café, sai para trabalhar, trabalha, volta para casa, janta, namora, ou janta fora, ou vai ao cinema, ou sei lá o que. E nos finais de semana toca para a praia, para a locadora de vídeos, para o Maracanã, viaja, dá pipoca a macaco, enfim, qualquer coisa em que se acha graça quando nos alinhamos às condições regulares de temperatura e pressão.
O que é vida normal? Ora, vida normal é quando a pessoa acorda...ou melhor, recomeçando, a pessoa dorme – toda noite e a noite inteira -, acorda, toma café, sai para trabalhar, trabalha, volta para casa, janta, namora, ou janta fora, ou vai ao cinema, ou sei lá o que. E nos finais de semana toca para a praia, para a locadora de vídeos, para o Maracanã, viaja, dá pipoca a macaco, enfim, qualquer coisa em que se acha graça quando nos alinhamos às condições regulares de temperatura e pressão.
Até onde eu saiba, minha amiga, meu amigo, vida normal é mais ou menos isso, com um ou outro toque de acontecimento extraordinário, o que faz parte. Mas não esse torvelinho em que não se cabe direito dentro do próprio corpo, e a alma parece ejetar-se desencontradamente em movimentos involuntários para além das regiões limítrofes ao ponderável. Afinal, nada mais justo que ela, alma, lute a todo custo para romper o confinamento abusivo a que se vê, a sua revelia e a contragosto, submetida.
E, assim, minha garota, meu rapaz, vamos tateando as camadas fronteiriças da escuridão, sendo noite ou dia, que, camuflados, mal se distinguem nas sombras das paredes. A pessoa começa a variar, falar sozinha (há barulho de porta de elevador se abrindo e não sei se é você – e não, não é). E, mais grave, dá para sofrer alucinações (pois te vejo entrando no mar, sorrindo nos restaurantes, lendo na poltrona, saindo do banho, teu corpo lindo e em abandono na cama).
Prezada, prezado, mas de que mesmo falava esse professor versado em amor ausente? Amor profundo e - com que onipresença! – ausente... O fato é que agora, já em casa, sinto, mas precisamos interromper a comunicação. Alguém me chama no quarto. Ah, sim, já ia me esquecendo: como se não bastasse, nesse estado de saturação dos sentidos, também se ouvem vozes.
Com doçura,
William.
PS: Estou de tênis novos, comprados no Stratford-on-Avon-Shopping Center.
E deixo-vos essa preciosidade:
"Everytime we say goodbye" (Cole Porter), com Simply Red.
Genial! Genial! Absolutamente genial!
ResponderExcluirQue dizer?
Te adoro, Monica.
Luciano
Eletrizante como a queda de um raio,que em um segundo dizima o que atinge,
ResponderExcluirRevolto como um oceano em dia de tempestade,
Desestruturante como a verdade.
Estou a procurar onde prendê-la porque contida não sairás zunindo por este universo,mas ficará perto de nós para nos dar em escritas como essas
um pouco mais de você.
Beijo.
E sabe...cadê vc?
ResponderExcluirTenho muitas saudades.
Bj
Essa é a Monica Sinelli!!!!!!!
ResponderExcluirMuito bommmmmmmmmm.
Bjos
Alex
Fa-bu-lo-so!
ResponderExcluirBeijos
Sandra
Um verdadeiro escândalo de bonito esse texto.
ResponderExcluirBjs bjs
Patrícia
Muito difícil,quase impossível,impossível!
ResponderExcluirQue numa cidade deste tamanho ainda ninguém te tenha fisgado para a normalidade e para a felicidade.
Simplesmente assim.
Naná
Você é arrebatadoramente brilhante...
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