terça-feira, 9 de novembro de 2010

Para quem quer se soltar



                                                             Pour Eliza

roda o mundo
em sua espiral infinita
e a coisa mais bonita
ainda é o trabalhoso disponibilizar-se
ao mergulhar profundo
na vastidão do conhecer

que a vida seja sempre
esse deslumbrante lançar-se
ao descobrir
que oferecerá sempre, sempre
garantia zero
enquanto exige
comprometimento absurdo

espero
que a vida
pelo que teima em desmontar o construído
e reerguer-se em forças insuspeitas
no deserto mais inesperado da desilusão
também saiba te estender o cais
de sustentação
tantos forem os teus sinais

não se esquece, minha rainha
não se esquece jamais
o que foi presença certa - a tua
quando o mísero raso do chão faltava
e foste ele, o farol na estrada
a iluminar meu à frente
e o meu atrás

com o maior amor,
do teu afeto sonhador
sempre querendo mais

feliz aniversário!

 
(Cais, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, na voz de Caetano Veloso)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Algumas coisas acontecem no meu coração



Fim de semana em Sampa. Na sexta, jantar maravilhoso no Josephine (Vila Nova Conceição).




E mergulho com fôlego e sentidos aguçados na maratona cultural:

Estação da Luz


Museu da Língua Portuguesa

Incrível! Um paraíso mágico de informações para os apaixonados da última Flor do Lácio ("Amo-te assim" - como Bilac à nossa língua - "desconhecida e obscura"). Pena ter que ser tão corrido. Uma semana direto ali e seria pouco...Ainda mais com a primazia de abrigar a exposição "Fernando Pessoa, Plural como o universo", que só em março chegará ao Rio. E daria pra esperar? Sim, mas...não deu. Quanta alegria para mim, que sonho com o acesso profundo de todos à cultura, ver a tecnologia a serviço da intensidade e complexibilidade da vida do poeta, disponibilizada de forma gratuita. Emocionante.







Pinacoteca

Linda a exposição de fotos P&B de Gaspar Gasparian







Sala São Paulo

Concerto da Orquestra Sinfônica de São Paulo com obras de Leonard Bernstein e Mahler. Era um sonho conhecer esse espaço, concebido como uma das melhores acústicas do país. Projeto interessantíssimo: nenhum luxo, conforto, limpeza e som de primeira.






Emoções Baratas

Remontagem do espetáculo dirigido por José Possi Neto, em 1988, com músicas de Duke Ellington. Amei tanto a versão original que foi irresistível querer assitir à nova, em cartaz no Estúdio EMME. Músicos, bailarinos e cantoras esplêndidos. Valeu - e muito - a volta.




Masp
 
"Se não neste tempo" (Pintura alemã contemporânea 1989-2010) e a bela 18ª edição da Coleção Pirelli de Fotografia. Sem falar que é sempre um privilégio viajar pelo acervo permanente e rever, sobretudo, meus adorados impressionistas.

Nem vou me ater à beleza da arquitetura de todos esses prédios. Mas gostaria de destacar o trabalho de sinalizações e acessos desenvolvido pela Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida nos equipamentos públicos. O melhor de tudo foi observar essas adaptações acompanhada das explicações da arquiteta Norma Lúcia Reis, minha amada amiga Lulu, anfitriã perfeita de sempre em Sampa. Ela participou, pela prefeitura, de todo esse processo de instalações de mobilidade urbana. O Rio precisa urgentemente fazer o mesmo.

Lulu, querida, não temos como agradecer a acolhida calorosa (no frio maravilhoso!) e atenciosíssima. Salve, Sampa! E uma linda semana de lua cheia a todos.
 

Como trilha da terra da garoa, a pungente "Saudade" (Moska e Chico Cesar), nas vozes de Maria Bethânia e Lenine.

saudade a lua brilha na lagoa
saudade a luz que sopra da pessoa
saudade igual farol engana o mar, imita o sol
saudade sal e dor que o vento traz

saudade som do tempo que ressoa
saudade céu cinzento à garoa
saudade desigual, nunca termina no final
saudade eterno filme em cartaz

a casa da saudade é o vazio
o acaso da saudade, o fogo frio
quem foge da saudade preso por um fio
se afoga em outras águas, mas no mesmo rio

http://www.radio.uol.com.br/#/musica/maria-bethania-e-lenine/saudade/202877?action=search

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Nave iluminada


Leio (adorando) "Trem noturno para Lisboa", de Pascal Mercier.


E vi "Ímã", espetáculo comemorativo dos 35 anos do grupo Corpo, no Teatro Municipal. Céus! O que é o Municipal pós-reforma, visto de que vem caminhando na direção dele pela praça da Cinelândia? Uma abençoada nave iluminada, um monumento divino e silencioso em suspensão, em meio à balbúrdia do trânsito intenso de veículos e de pessoas.

É um dos cenários que mais me fascinam no Rio: o quadradinho mágico, envolvendo o Municipal, o Museu de Belas Artes, a Biblioteca Nacional e a Assembléia Legislativa. Tudo tão bonito e cheio de representações para a vida da cidade. Mas o que dizer do entorno, da praça que poderia (e deveria) ser o elemento catalisador dessas edificações magníficas? Abandono, incúria, negligência....Isso porque me abstenho de falar da tristeza quanto ao desprezo à Praça Paris...De chorar pelo que poderia ser um Jardim de Luxemburgo, Tuileries...




E no rômitíatra:

Chico Xavier / Invictus / Entre dois irmãos / Preciosa / O menino do pijama listrado / Segredos íntimos / Budapeste / Há tanto tempo que te amo / A partida


Deixo-vos com Alberto Caeiro:
 
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
 
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
 
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
 
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
 
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que sogue não prevendo,
O que passou a esquecer.

Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.


E essa maravilha: Fly me to the moon (Bart Howard), com Paula Toller.

 

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Fertilização

Fotos: Back to Black, super evento da Oi na Estação Leopoldina



                                                               Para Macu

Amiga,
Firme e fecundo é o solo em que pisam os que amam e são amados
na quente proteção ungida pela entrega e pela paciência
de aceitarmos uns aos outros num mar sem fim de diferenças

Violenta é a força do sentimento
que nem tempo nem distância dissolvem ou emparedam
por desconhecer zonas limítrofes

E doce, tão doce a voz que conforta e apazigua, pacifica
quando tudo é sombra, escuridão, temor

Querida,
Louvados os que se dedicam a fertilizar afetos profundos
e se irmanam seja em ensolarados veraneios
ou em paisagens interiores desérticas e glaciais
oferecendo-se como balsas e bálsamos

E a todas as lágrimas secam
e a todos os cortes cicatrizam
os medos anulam
os pesadelos cancelam
em aconchego transbordante e incondicional

Amada,
Neste teu dia tão especial, recebe meu abraço infinito
É linda e plena tua colheita
no arar desassombrado, duríssimo e perseverante da indomesticável e imprevisível terra

É (quase) primavera. Trago essa rosa para te dar:


sábado, 21 de agosto de 2010

Paraísos sensoriais


O que anda fazendo a festa dos sentidos no cardápio da Padaria:

- Exposição "Anita Malfatti - 120 anos de nascimento", no Centro Cultural Banco do Brasil. Delícia passar uma tarde de sábado no lindo CCBB.

- Exposições: "Flieg: fotógrafo" (interessante mostra sobre a indústria no Brasil, sobretudo na década de 50, e + arquitetura e design). E "Fred Sandback: o espaço nas entrelinhas" (sei lá, mil coisas...). Sempre de outro mundo a atmosfera de introspecção abençoada pela natureza do Instituto Moreira Salles.


E na sequência...O restaurante "Espírito Santa", em Santa Teresa. "Trouxinhas de axé" (pacotinhos de vatapá de camarão, assado na folha) e caranguejo envolvido em uma finíssima massa de arroz.



Na sequência, bobó de frutos do mar com acaçá e filé de namorado grelhado com crostas de castanhas sobre broto de palmito de pupunha.No caminho de ida e volta, a paisagem incansavelmente deslumbrante da Baía de Guanabara. E tudo isso, na mais fina companhia.




- No cinema, "Uma noite em 67" (de Renato Terra e Ricardo Calil, no Estação Ipanema), sobre o final do Festival da TV Record. Uma viagem: Roberto, lindo, com "Maria, carnaval e cinzas", e Chico, emocionante, em "Roda viva".

- No rômitíatra, "Estômago", filme de Marcos Jorge (Ah, a potência mágica da comida...). E "Café dos maestros" (direção de Miguel Kohan), concerto com mestres do tango argentino gravado no Teatro Colón, em Buenos Aires. Muy bello!
 
- "O mundo pós-aniversário" é o que ando lendo (e adorando), depois de passar pelo atordoante "Precisamos falar sobre o Kevin", da mesma autora, Lionel Shriver. O tema é apaixonante: escolhas - as que fazemos e as que, por eliminação, descartamos (estas, com seus decorrentes e improdutivos `Mas, e se tivesse sido outra a opção`...)
 
- Entrevista do pianista e maestro João Carlos Martins para Marília Gabriela, no GNT (8/8). Emocionante depoimento de uma vida de reinvenções. Disse ele: "Passamos a vida correndo atrás dos nossos sonhos. Até que um dia, os sonhos nos perseguem" (http://gnt.globo.com/Marilia-Gabriela-Entrevista/index.shtml).

- O vídeo "Mercearia Paraopeba - Um armazém das antigas" (http://www.youtube.com/watch?v=aUiWgtIGJwU). Delicado, sensível, tocante. De chorar de tão bonito. E de acreditar que o ser humano é viável.


- Este trecho de um poema de Marcelo Pires:

Amor não faz de conta
Amor, não é ator, não é atriz.
E se agora nós dois
fazemos, refazemos, não foi por (nos) querermos
O amor foi que nos quis.


E a vida, o que é, doutoras e doutores? Surpreendente...Fascinante! Celebremos com duas músicas lindas, lindas do novo CD de Antonio Villeroy e que tocam aqui sem parar:


"Recomeço", com ele e Maria Gadu, e "Um e dois". Ambas podem ser ouvidas em:


terça-feira, 3 de agosto de 2010

A boneca


Escrevo sob o impacto do artigo "A boneca inflável de cada um - Será que precisamos destruir tudo o que é diferente?", da jornalista Eliane Brum, na revista Época.

O texto parte do filme "Lars and the real girl" (dirigido por Craig Gillespie), que aqui recebeu a tradução de (ui) "A garota ideal".

A percepção estupenda de Eliane dispensa palavras adicionais (o "ideal" e "real" é lê-lo na íntegra em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI159556-15230,00-A+BONECA+INFLAVEL+DE+CADA+UM.html).


O artigo é uma reflexão linda sobre o quanto os "diferentes" (como se cada um de nós não o fôssemos, naturalmente) nos causam incômodo, desconforto, repulsa. Ou seja, sobre nossa incrível incapacidade de lidar com a essência e as particularidades do outro, com o que nos escapa e, portanto, nos confunde, choca, estarrece. O que é o mesmo que não saber lidar com a nossa própria essência, de que tanto buscamos fugir, ignorar, abafar. E que tanto evitamos, em profundidade, conhecer. Por faltar coragem - que palavra essa.



Quanto ao filme, é uma metáfora bem interessante. Seu final é que, no meu olhar, desconstrói a força do sugerido ao longo de toda a narrativa. Algo como um "wellcome back to reality", quase que numa contradição em termos de sua própria proposição. Pas grave.

Deixo, de novo, essa canção tão bonita, já postada antes: "O Mundo", de André Abujamra, com Ney Matogrosso e Pedro Luís e a Parede, falando das tais (às vezes nem tanto) sutis diferenças.

As fotos viajantes seriam de quem mais? Roberta Lenzi!



terça-feira, 27 de julho de 2010

Copacabana me engana e explode


Neste momento de sintonia fina com o cosmos, impregnado de luares:

"Quando Ismália enlouqueceu
Pôs-se na torre a sonhar
Viu uma lua no céu
Viu outra lua no mar"

                                                                          (Alphonsus de Guimaraens)


Melodia Sentimental

acorda, vem ver a lua
que dorme na noite escura
que surge tão bela e branca
derramando doçura
clara chama silente
ardendo meu sonhar

as asas da noite que surgem
e correm o espaço profundo
oh, doce amada, desperta
vem dar teu calor ao luar

quisera saber-te minha
na hora serena e calma
a sombra confia ao vento
o limite da espera
quando dentro da noite
reclama o teu amor

acorda, vem olhar a lua
que brilha na noite escura
querida, és linda e meiga
sentir meu amor e sonhar


Composição magistral de Heitor Villa-Lobos e Dora Vasconcelos, na interpretação de quem? Maria Bethânia:




quarta-feira, 21 de julho de 2010

Coração de feltro


Pra Claudinha

artefato de criança
eu te recrio em cores e texturas
em tudo que a memória cristaliza e avança
nossas vidas puras

e tateantes e embrionárias e confusas
e alegres e ingênuas e aflitivas
o despertar das sensações difusas
que ainda hoje permanecem vivas
 
Com todo o carinho, canceriana querida: "Lua pra guardar " (Léo Henkin), na voz de Pedro Mariano.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Regente do mundo da imaginação


Aqui, a matéria que fiz para a Carioquice com José Castello, escritor e colunista do Prosa&Verso do Globo:

                                         http://www.carioquice.com.br/upload25/25/05.pdf

Na foto, a capa de seu (imperdível) livro A literatura na poltrona. Tarefa de doido escolher apenas alguns trechos:

Cada um lê com o que tem, lê com o que é, lê como pode. Não existe leitura perfeita, nem completa; muita coisa, mesmo para os leitores treinados, sempre fica de fora.

Fazer do silêncio um caminho. Da espera, uma resposta. E das respostas, perguntas.

O que me sufocava era sua liberdade.

Da arte, não se pede rigor, mas susto. Ao artista, não se pedem competência e certezas, mas hesitação e desassossego. Do escritor não se espera a palavra bem dita e o português castiço, mas a palvra plena e o pensamento devastador. Se a arte serve para alguma coisa, é para colocar em dúvida as nossas certezas, fixações e ilusões.

Sem paixão ninguém faz arte. É verdade também: ninguém faz nada. Ou se faz, é "por fazer".
 
 

domingo, 4 de julho de 2010

Vigias




quem dorme a teu lado?
um lírico,
a te preencher de imaginação e espera?

um miserável de alma,
com sua terrível incapacidade de abstração
para notar não o que vai no fundo (nem se pede o melhor do mundo)
mas, ao menos, sobrevoar uma intangível superfície,
um dia sem realidade demais?

quem te rodeia?
um ladrão de galinhas
de insuspeitável aparência
que rouba sempre migalhas, migalhinhas
a quase nem se notar
a tarefa insana de subtrair sempre - e mais e mais
cada dolorido tijolo de tua construção em balanço
e um a um teus brinquedos de sobrevivência?

quem te ronda?
um assaltante profissional,
capaz de extrair tudo (sangue e pensamento, o que povoa teus sonhos...)
e esvaziar com requinte o conteúdo
de qualquer indesculpável gotejar?

pelo teu cristalino
vi a refração do desejo e do medo se espalhar 
em incidências de luzes e sombras
profundidades e vazios
e era só o teu olhar

brilhante
opaco, errante
embaçado
como se uma incômoda membrana
perturbasse a própria razão de enxergar
para ver o que?
céus, para ver o que?

"Meio-termo" (Lourenço Baeta/Cacaso), na voz de Elis:

sábado, 12 de junho de 2010

Rosas partindo o ar

Foto: A natureza e o quarto, por Roberta Lenzi.

"O fato é que nos tornamos uma sociedade muito irresponsável, que está falhando na transmissão de elegância. Pensar é elegante, ter conhecimento é elegante, ler é elegante, e essa elegância deveria estar ao alcance de qualquer pessoa...A economia do Brasil vai bem, dizem. Mas pouco valerá se formos uma nação de medíocres com dinheiro." (Martha Medeiros).



Poesia é atordoante elegância. Que anda tanto por palavras quanto por gestos. Vamos com a elegantíssima Cecília Meireles.

CÂNTICOS

IV

Adormece o teu corpo com a música da vida.
Encanta-te.
Esquece-te.
Tem por volúpia a dispersão.
Não queiras ser tu.
Queiras ser a alma infinita de tudo.

Troca o teu curto sonho humano
Pelo sonho imortal.
O único.
Vence a miséria de ter medo.
Troca-te pelo desconhecido.
Não vês, então, que ele é maior?
Não vês que ele não tem fim?
Não vês que ele és tu mesmo?
Tu que andas esquecido de ti?


IX

Os teus ouvidos estão enganados.
E os teus olhos.
E as tuas mãos.
E a tua boca anda mentindo
Enganada pelos teus sentidos.
Faze silêncio no teu corpo.
E escuta-te.
Há uma verdade silenciosa dentro de ti.
A verdade sem palavras.
Que procuras inutilmente,
Há tanto tempo,
Pelo teu corpo, que enlouqueceu.


Sugestão elegantérrima da Roberta, a descobridora dos 7 mares: "Corsário" (João Bosco e Aldir Blanc), na voz de Elis.

sábado, 5 de junho de 2010

Equador



este silêncio já foi grito
a ouvir-se de longe
o descolamento de hemisférios seccionados
por um indissipável equador
a abandonar abandonados
 
tempo impostor:
o que leio agora na coloração de tua íris
são letras esmaecidas
comprimidas por um arco plúmbeo e difuso
num campo que guardou
minha própria gravidade
 
mas o que digo?
eu também já sou um outro, sim
do fundo da noite
vem o teu cheiro lutar comigo
e sinto saudade
de mim

 
I put a spell on you, com Nina Simone: