sábado, 23 de janeiro de 2010

"A vida é um desmentido"



A coluna de José Castello no Prosa&Verso (O Globo) de hoje gira em torno da coletânea organizada por Ítalo Moriconi (que foi meu professor na faculdade) de poemas de Ana Cristina Cesar, Cacaso, Paulo Leminski, Torquato Neto e Waly Salomão.

E já começa impactante com os versos de Cacaso: "Minha pátria é minha infância / Por isso vivo no exílio".

Que tal?

Mais adiante, Castello lembra palavras ditas por Waly em seu ouvido durante debate - que, a princípio, seria dividido entre eles dois -, desculpando-se por falar sem parar e não deixar brecha para o amigo: "Parece que nunca dou dentro de mim".

Que tal 2?

E Leminski: "Marginal é quem escreve à margem / deixando branca a página / para que a paisagem passe / e deixe tudo claro à sua passagem". Sobre esses versos, Castello observa: "Habitar a margem foi uma maneira de expor o grande vazio do miolo".

Mais é a respeito do poema de Cacaso que o colunista brilha. Diz ele: "Estamos sempre deslocados - em relação às crianças que fomos, ao futuro projetado por nossos pais, aos esforços ferverosos da educação. Às certezas (precárias) que aprendemos a aceitar. A vida é um desmentido".

A vida é um desmentido. Que frase! De um poder de síntese absurdo. Pois não é a vida essa força ingovernável a desmontar incansavelmente teses, planos, convicções...as relações mais profundas e "eternas"?

Ainda no Globo, mas o de quinta, saiu uma matéria sobre a exposição aberta esta semana na Royal Academy of Arts, em Londres, com a correspondência de Van Gogh para várias pessoas, entre elas, Theo, seu irmão e mecenas.

Muito me admirou, dentro de uma matéria relativamente longa - meia página -, não ter sido mencionado o livro "Cartas a Theo" (L&PM), que traz justamente as cartas escritas pelo extraordinário holandês a seu irmão entre 1873 e 1890.

Para quem ama arte, esse livro é imperdível, pois, como bem declarou a curadora do evento, desmistifica a ideia de que VG "era apenas um gênio louco que pintava como se sofresse espasmos".

Muito longe disso. Ao ler esse livro há muitos anos (pesquisando agora, descobri que em 2002 foi lançada uma edição em que se acrescentaram mais de 100 cartas em relação à primeira, de 1997), fiquei impressionada com a profunda noção de técnica demonstrada por ele (desde sempre, meu pintor preferido). Mais ainda: como conseguia formular tão bem seu pensamento por escrito.

Jamais esquecerei a primeira vez em que contemplei seus quadros ao vivo, quando os impressionistas ainda habitavam o Jeu de Paume, no Louvre. Aquela explosão de cores inigualável, a intensidade dos sentimentos ali transbordante, a complexidade de emoções por eles provocadas...nada daquilo me convencia ser produto pura e simplesmente de uma cabeça atormentada por natureza e alucinada por absinto.

Quando li "Cartas a Theo", tudo se iluminou. Havia muito, muito além. Desde então, recomendo esse livro a tantos que acho que irão se apaixonar por ele. E agora, com o prazer de sempre, mais uma vez. Eu mesma vou atrás dessa versão atualizada, que desconhecia existir. Cá pra nós, bem melhor que estar em Londres para ver a exposição. Além do frio glacial que está fazendo por lá, seria muito desconfortável ler cartas como essas em pé...


6 comentários:

  1. Ola!!!
    Como sempre correndo atras dessa padaria e das suas noticias. A exposiçao do Van Gogh teve sua estreia ontem 23 aqui em Londres,
    gostaria de ter ido hoje ver todo esse acervo maravilhoso, mas estou na
    loucura de organizar tudo para minha viagem no proximo domingo,
    essa exposiçao sera minha prioridade na volta. Ele sempre foi um dos meus favoritos. Lendo uma materia entre tantas aqui, tem algumas cartas dele para o irmao nessa exposiçao. Bom, estou quase chegando e te ligo... Acho que tenho o numero do seu celular? Bj e ate.

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  2. Salve, Carol!
    Eu ia mesmo te mandar um email falando sobre essa exposição.
    Me liga quando chegar ao Rio.
    Bjs e ótima viagem.
    M

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  3. Mônica!!!
    Cheguei aqui pelo J&C.
    Parabéns pelo blog. É você integralmente.
    Sempre diferente de tudo, sempre a presença marcante onde chega. O ponto de vista singular, o raciocínio brilhante e o humor inconfundível.
    Que saudade de você!
    Um beijo,
    Tuí.

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  4. Maravilhosa a dica do livro. Vou atrás dele. E da coluna do Prosa e Verso também.
    Bjs
    Luciano

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  5. Tuí, menino! Que bom vc por aqui...Quanto tempo hein?
    Obrigadíssima pelas palavras carinhosas.
    Venha sempre.
    Beijo grande.
    M

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